Por unanimidade, a 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu habeas corpus preventivo para permitir a retirada de três de cinco fetos gerados mediante fertilização in vitro. A providência foi autorizada a partir de laudos médicos segundo os quais a mulher, de 37 anos e 1,55 m, dificilmente suportaria a gestação de cinco fetos.
Os fetos se encontravam em dois sacos gestacionais: um com gêmeos e outro com trigêmeos. Orientada por seus médicos à remoção dos trigêmeos, a gestante foi ao Judiciário em busca de um HC preventivo, com vistas a evitar uma ação penal e até uma ordem de prisão contra ela pela prática do crime de aborto. Em primeira instância, o pedido foi rechaçado.
Já no TJ/SP, a autora da medida obteve êxito junto a todos os togados. Segundo o relator do caso, desembargador Luís Geraldo Lanfredi, a excepcionalidade da situação imporia o respeito à liberdade da gestante, permitindo-lhe deliberar sobre o futuro de sua gestação. “Todas – absolutamente todas – as complicações, diante do novel e inesperado contexto, têm mais chance de acontecer. Em detrimento da gestante. Em detrimento de seus embriões”. O magistrado concluiu que “é justamente por isso que não me parece proporcional, tampouco plausível e razoável, ordenar que ela mantenha a gestação dos quíntuplos, que até mesmo (nestas condições) mais teria um sentido de punição”. E ainda acrescentou que “privar a própria gestante ao direito fundamental do planejamento familiar, sobretudo neste caso específico, parece um tanto quanto desumano.”
O Código Penal é claríssimo ao contemplar a possibilidade do chamado aborto necessário, admissível tão somente “se não há outro meio de salvar a vida da gestante.” A lei se refere a situações extremas, em que a única alternativa à preservação da vida da mãe consiste no sacrifício do feto. O que não parece ter sido o caso dos quíntuplos paulistas. Aqui, os laudos médicos fazem referência às dificuldades da gestação (não à inviabilidade da vida da gestante), e o togado alude a conceitos como complicações, proporcionalidade, plausibilidade e razoabilidade, e não à única expressão que seria chave para a autorização: necessidade de sobrevivência. Ou seja, o HC só faria sentido se, à luz das provas clínicas, o colegiado tivesse chegado à conclusão assertiva de que a manutenção dos 5 fetos seria uma verdadeira sentença de morte para a gestante.
Em seu voto, o relator chega a aludir ao “direito fundamental do planejamento familiar”, fingindo desconhecer que esse salutar planejamento pode e deve ser realizado, mas antes da concepção, por meio de qualquer das inúmeras técnicas e fármacos contraceptivos à disposição de mulheres e homens. Longe do que imagina grande parte dos nossos togados – a começar pelos supremos -, a remoção de fetos em gestação não é planejamento familiar; em português claro, configura crime de aborto.
Como se não bastassem todas as considerações acima, há que se ter em mente o dispositivo textual da Resolução CFM 2320/2022 sobre técnicas de reprodução assistida (como foi o caso dos autos), segundo o qual “em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de reprodução assistida, é proibida a utilização de procedimentos que visem a redução embrionária.” Os médicos signatários dos laudos mencionados pelos magistrados deveriam conhecer essa vedação, e, desse modo, atuar com mais responsabilidade.
Portanto, não parecendo ser o caso da exceção prevista na lei penal, e diante da proibição imposta pelo CFM, não se mostra plausível, muito menos razoável que juízes escolham quantos humanos devem nascer, e quanto devem ser privados do direito fundamental à vida. Se nossos magistrados prosseguirem nessa toada, brincando de agirem como deuses, muito em breve poderemos ter autênticas experiências de Mengele chanceladas por togados, sob os aplausos da opinião pública.
HC 2127799-55.2024.8.26.0000