O Ministério Público pediu ao Tribunal de Contas da União a suspensão das remunerações de 25 militares indiciados pela Polícia Federal por envolvimento em suposto golpe de estado. A medida cautelar também requereu a indisponibilidade de bens de todos os 37 indiciados, com o objetivo de ressarcir prejuízos estimados em R$ 56 milhões, em virtude dos eventos do 08.01.
Nas palavras do sub-procurador Lucas Furtado, autor dos pedidos, a continuidade do pagamento de remuneração a militares e outros agentes públicos indiciados “mostra-se, à evidência, inteiramente incompatível com o princípio da moralidade administrativa.” Segundo Furtado, “o Estado está despendendo recursos públicos com a remuneração de agentes que tramaram a destruição desse próprio estado, para instaurar uma ditadura.” Não satisfeito, o sub-procurador ainda afirmou uma pretensa conexão entre a pseudo-tentativa de golpe e os autos do 08.01. “Os indiciamentos promovidos pela Polícia Federal e decorrentes de inquéritos sob a jurisdição do Supremo Tribunal Federal apontam para a direta conexão entre as tratativas golpistas que ocorreram no ano eleitoral de 2022 e as depredações ocorridas nas sedes dos três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023”, disse Furtado.
De tão estapafúrdios os pedidos, fica até difícil comentar. Em primeiríssimo lugar, os tais indiciados se encontram sob o crivo de caneta de juiz manifestamente impedido, já que, no próprio decreto prisional assinado por Moraes, consta que este seria um dos principais alvos dos tais “golpistas”. Por óbvio, o impedimento invalida tanto a determinação das prisões, quanto todos os atos processuais subsequentes praticados pelo togado no caso. Portanto, os pleitos do sub-procurador, formulados na esteira de deliberação inválida, teriam de ser rejeitados antes mesmo da apreciação de seu cerne (mérito).
Dentre as funções atribuídas pelo artigo 71 da Constituição ao TCU, aquela que mais aproxima dos pleitos de Furtado consta do inciso VIII do dispositivo, segundo o qual cabe ao órgão de contas “aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei.” Contrariamente ao que pretende o sub-procurador, não há, pelo menos até o momento, ilegalidade comprovada nos pagamentos dos proventos aos militares, e, muito menos, irregularidades nas contas de seus soldos e aposentadorias. Assim, como todos os órgãos públicos têm de se ater às suas atribuições constitucionais, o TCU simplesmente não pode sucumbir ao “canto da sereia” de Furtado, e tomar providências que não lhe competem, pelas razões acima.
Tão ou mais escandaloso que todos os abusos já comentados foi o tom assertivo empregado por Furtado para afirmar a existência de um elo entre a suposta tentativa de golpe no pós-eleições de 22 e os eventos do 08.01. Inacreditável que um procurador – em tese, um fiscal da lei! – se sinta investido da prerrogativa de formular uma conclusão sobre fatos cuja investigação, iniciada há pouquíssimos dias, ainda não trouxe à tona qualquer evidência concreta de práticas delitivas por parte dos envolvidos. Sem ter sequer jurisdição (por não ser magistrado, e sim integrante do Ministério Público), o sub-procurador repete as narrativas infundadas da PF para tecer seu juízo apriorístico sobre o assunto, e pretender impor um ônus financeiro pesado aos investigados.
Se os pedidos vierem a ser acatados, o bloqueio dos valores representará um precedente bastante perigoso no serviço público nacional, chamando a atenção de servidores para a possibilidade de suspensão em suas remunerações, devido a um mero alinhamento político. Por óbvio, o funcionalismo público brasileiro, em particular, em suas mais altas castas, é um nicho de privilégios imorais, bancados às expensas de um setor produtivo sobrecarregado de tributos, e exposto a todos os riscos dos seus negócios. No entanto, que aposentadorias, pensões e soldos elevados sejam reduzidos, e até cortados, mediante reformas previdenciária e administrativa discutidas e aprovadas no parlamento, válidas para todas as categorias, e não como forma de punição a certos servidores “não-afinados” ao coro ideológico do establishment.
Confira a íntegra da petição
https://www.migalhas.com.br/arquivos/2024/11/ED777E1328067B_suspensaoderemuneracaoeindispo.pdf