Sob acusação de abuso de poder político, Caiado é tornado inelegível
Por decisão da juíza Maria Umbelina Zorzetti, do TRE-GO, o governador Ronaldo Caiado foi declarado inelegível pelos próximos oito anos, em virtude de suposto abuso de poder político durante as eleições municipais de 24. A deliberação, divulgada hoje (11), também cassou a chapa do prefeito eleito de Goiânia, Sandro Mabel (União Brasil). A magistrada enfatizou o uso indevido do Palácio das Esmeraldas, sede do governo goiano, em eventos de apoio à candidatura de Mabel. “Quando ele (Caiado) abre as portas do Palácio das Esmeraldas para pedir apoio para determinado candidato, está ali criando uma confusão entre o público e o privado, que acaba passando a mensagem de que o seu candidato tem o apoio do governo estadual, da máquina estatal”, disse a juíza. A sentença foi fundamentada em dois jantares promovidos por Caiado aos vereadores eleitos, seus respectivos suplentes e líderes políticos, com o objetivo de angariar apoio para a campanha de Mabel e de sua vice, Coronel Cláudia (Avante). Conforme descortinado pelos elementos trazidos ao processo, tanto Mabel quanto Caiado discursaram aos apoiadores. Caiado, Mabel e Cláudia ainda podem recorrer ao TRE-GO, em segunda instância, e, em seguida, ao TSE. Até que venha a ser proferida uma decisão em grau de recurso, a chapa Mabel-Cláudia poderá assumir o mandato na prefeitura de Goiânia, a partir de 1º de janeiro. O patrimonialismo é vício que corrói nossos estamentos de mando desde o início da nossa história, como tão bem discutido por Raymundo Faoro em seu clássico “Os donos do poder”. E não é por remontar aos idos de 1500 que a nociva confusão entre o público e o privado deva ser relativizada. Muito pelo contrário! O uso de bens da coletividade em prol de interesses pessoais, violador do princípio da impessoalidade que teria de nortear a administração pública, deveria ensejar punições rigorosas, tais como a imposição de multas elevadas, a responsabilização por eventuais danos ao erário, e até mesmo a estipulação de sanções criminais (caso as condutas em questão sejam tipificadas, por lei, como crimes). Em paralelo, no plano eleitoral, o patrimonialismo por parte de certo candidato e/ou de seu padrinho político teria de ser escancarado pela chapa oponente, e alardeado como o principal fundamento para a não-escolha das figuras patrimonialistas em questão. Considerando, ainda, que tanto o artigo 19 da Lei Complementar 64/90 quanto o artigo 237 do Código Eleitoral somente reprimem o abuso do poder político e econômico se este vier a comprometer a liberdade do voto, os dispositivos legais devem ser interpretados ao pé da letra. Sob uma ótica liberal, segundo a qual todo o poder emana do povo, e dispositivos supressores de direitos individuais (no caso, de direitos políticos) devam ser sujeitos a uma interpretação restritiva, o abusador só poderá ser punido com a perda de sua elegibilidade, se ele comprovadamente tiver interferido na liberdade do eleitorado; em outras palavras, se tiver praticado, por exemplo, ameaças físicas e/ou psicológicos, ou qualquer outra espécie de coação capaz de privar o eleitor de sua liberdade na urna. Pelo que li na sentença, não parece ter sido esse o caso dos políticos ora condenados. Outrossim, muito “surpreende” deparar com uma interpretação tão ampla das normas eleitorais, quando vários precedentes judiciais vêm demonstrando uma indiscutível parcialidade de nossos figurões de toga. A propósito, o que dizer da deliberação do ex-togado Lewandowski, à frente do STF por ocasião do impeachment de Dilma Rousseff, ao ter mantido os direitos políticos da defenestrada, em violação flagrante à Constituição? O que dizer, no escopo daqueles mesmos eventos, da absolvição da chapa Dilma-Temer, pelo TSE, apesar da abundância de provas de ilícitos? O que dizer da caça ao mandato parlamentar de Deltan Dallagnol, sem uma prova sequer de cometimento de crimes? O que dizer de todas as decisões do STF, STJ e tribunais locais, absolvendo políticos ímprobos em ações de improbidade administrativa, em virtude de pretensa ausência de comprovação de dolo, ou seja, de “recibo” do ato de corrupção? No país das “coincidências” extremas, certo foi que Caiado havia surgido como único nome disposto a enfrentar uma chapa petista em 2026. Não se trata, aqui, de louvor ao governador e a seus aliados. Apenas me recuso a fechar os olhos diante de obviedades. Só isso. Confira a íntegra da sentença: https://static.poder360.com.br/2024/12/SENTENCA-1-ZONA.pdf
Moraes proíbe Cremesp de fiscalizar prontuários em casos de aborto
Em decisão de ontem (10), nos autos de uma ação do Psol, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, proibiu o Cremesp – Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo de requisitar prontuários médicos de pacientes que tenham realizado o chamado aborto legal, em hospitais de São Paulo. Sob a alegação de que teria sido informado sobre “novas solicitações do Cremesp por prontuários médicos de pacientes que realizaram aborto legal no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu (HCFMB), vinculado à Universidade Estadual Julio de Mesquita Filho (UNESP)”, o togado determinou, ainda, que o Cremesp detalhasse as circunstâncias em torno de eventuais requisições, sob pena de responsabilização pessoal do presidente do conselho. A recente canetada alexandrina foi proferida nos autos de uma ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), de autoria da sigla esquerdista, em cujo âmbito Moraes já havia negado vigência à resolução do Conselho Federal de Medicina (que vedava o procedimento cruel de assistolia fetal em casos de aborto após a 32ª semana de gestação); e decretado a suspensão de todos os processos disciplinares em curso perante o Cremesp, contra médicos envolvidos na prática de assistolia. Conforme esmiuçado aqui, meses atrás, tratou-se de novo arbítrio de Moraes, pois o assunto (i) envolvia pessoas e entidades sem foro privilegiado; (ii) dizia respeito a matéria técnica (ou seja, ao cabimento ou não da assistolia), que demandava esclarecimentos de peritos clínicos perante as instâncias ordinárias (primeira instância e tribunal local), e não junto à cúpula judiciária; e (iii) não abordava qualquer violação direta a dispositivos da nossa Constituição, razão pela qual escapava à competência daquela que deveria atuar como corte constitucional. Outro aspecto tão escandaloso quanto os acima residia na intervenção escancarada do judiciário no âmbito de conselhos de classe, tanto do CFM quanto do Cremesp. Como deveria ser do conhecimento de qualquer operador do direito, togados só podem rever resoluções de órgãos administrativos, nas hipóteses em que as deliberações em questão contenham ilegalidade e/ou inconstitucionalidade crassa. Contudo, esse não era o caso da resolução do CFM sobre vedação à assistolia, e, muito menos, dos processos disciplinares em tramitação no Cremesp, mediante os quais o conselho estadual apenas exercia sua função fiscalizatória. A partir da canetada de ontem, Moraes aniquilou toda e qualquer possibilidade de fiscalização por parte do órgão cuja finalidade consiste precisamente na atividade de fiscalizar, com o perdão da redundância proposital. Se o Cremesp passou a ser impedido de requisitar prontuários de pacientes submetidas a aborto, de que modo poderá o conselho averiguar se os procedimentos clínicos foram levados a cabo tão somente nos casos previstos em lei (quais sejam, de estupro e de gestação passível de acarretar risco à vida da mulher), ou se o Hospital das Clínicas de Botucatu foi tornado um autêntico “drive-through” de eliminação de fetos? A agenda abortista, inclusive via métodos tão sabidamente cruéis quanto o da assistolia, vem se tornando, entre nós, verdadeira “política pública” de um estado que, por um lado, estimula a permissividade sexual desde tenra idade, e que, por outro, não dispõe de recursos para prestar assistência a novos bebês de famílias carentes. E como, no Brasil, as políticas públicas têm sido formuladas por togados supremos (e não mais por políticos eleitos), essa nova decisão de Moraes pode ser enxergada, sim, como forma de implementação de mais uma “diretriz” desenhada por togados para um país inteiro. Tratorando a Constituição, as leis e a autonomia dos conselhos, Moraes e seus pares assumidamente simpáticos ao abortismo seguem tolhendo o mais fundamental de todos os direitos: o de existir. Processo: ADPF 1.141
O negacionismo de Carmen Lúcia sobre denúncias de irregularidades nas eleições 2024
Ontem (9), a ministra Carmen Lúcia, atual presidente do TSE, se manifestou sobre as fundadas suspeitas de fraude generalizada nas eleições municipais de 2024, em municípios de pequeno e médio portes. Em sua declaração, a togada confundiu dados e demonstrou desconhecimento do cenário sob sua gestão, ao ter afirmado que não teria encontrado “evidências de problemas no pleito”. No entanto, longe do universo idílico de Carmen Lúcia, a própria justiça eleitoral, o MP e a PF efetuaram prisões, investigações e operações em todo o país, em virtude das transferências em massa de domicílios eleitorais. Segundo as autoridades, pesa a suspeita de que candidatos a prefeituras e a cadeiras em câmaras de vereadores de municípios menores tenham atraído eleitores de cidades vizinhas, mediante a promessa de vantagens em dinheiro e de outras naturezas. Em 82 cidades, por exemplo, o número de eleitores aumentou entre 20% e 46%, devido à transferência de títulos eleitorais. A par da existência, em vários municípios, de um eleitorado em número maior que o da população – o que já configura robusto indício de fraude! -, houve várias tentativas de transferência de domicílio eleitoral, mediante o uso de comprovantes de residência falsificados. No entanto, durante sua entrevista de ontem, Carmen Lúcia minimizou a gravidade da situação, e ainda atestou sua ignorância sobre ocorrências registradas. Segundo reportagem da Revista Oeste, no município de Elesbão Veloso (PI), por exemplo, a PF estaria investigando a transferência de 126 títulos eleitorais a partir de comprovantes falsificados, alguns deles emitidos pela companhia estadual de água e esgoto. Já em Minas Gerais, a PF estaria apurando a transferência de cerca de mil títulos de eleitores da região de Governador Valadares para a cidade de Divino das Laranjeiras, de apenas 4 mil habitantes. Em sua declaração, porém, a togada afirmou apenas que as operações “foram basicamente para ver se houve algum tipo de ilícito eleitoral, crime eleitoral ou fatos que poderiam ser criminosos relativos ao uso de recursos, direcionamento de eleitores e candidatos e impedimento de acesso aos territórios.” Em primeiríssimo lugar, as falas de Carmen Lúcia só vêm corroborar a completa inutilidade da justiça eleitoral, estrutura varguista pretensamente criada para prevenir e combater as vergonhosas fraudes eleitorais durante o período da República Velha, mas que, incapaz de cumprir a função para a qual foi concebida, se tornou apenas um cabide de empregos e benesses estatais. Nos últimos cinco anos, a justiça eleitoral foi mais um órgão aparelhado pelo autoritarismo togado, e empregado sem pudor para a censura a figuras em “desalinho” com o atual regime, para a caça (com “ç”) a mandatos legitimamente conferidos, como foi o caso do ex-deputado Deltan Dallagnol, e para a exclusão, do jogo eleitoral, de políticos de oposição, como ilustrado pela decretação indevida de inelegibilidade do ex-presidente Bolsonaro. Em matéria de mordaça, aliás, a ministra Carmen Lúcia protagonizou, nas eleições de 22, uma cena oscilante entre a bizarrice ridícula e o horror, ao ter chancelado a censura imposta à produtora Brasil Paralelo, mas “tão somente até a data do segundo turno”. Para a togada, a exibição, na época, de um documentário investigativo teria configurado prova conclusiva de um “ato antidemocrático” (seja lá o que isso signifique). Porém, passados dois anos, a colheita de evidências de práticas efetivamente ilícitas vem a ser menosprezada pela mesma magistrada, em negacionismo explícito, sempre em prol do mito inquestionável da lisura do processo eleitoral brasileiro, de norte a sul, e de leste a oeste de toda a nossa extensão continental. Como já de hábito no Brasil, nossa elite judiciária nem mais se preocupa em disfarçar as evidências de suas falhas, para dizer o mínimo. Ao passar panos quentes para indícios tão graves apontados pelos investigadores, Carmen Lúcia demonstrou, pelo menos, uma patente desídia no cumprimento das obrigações inerentes ao cargo, o que já seria justificativa suficiente para sua remoção do cargo via impeachment (conforme o artigo 39, inciso 4 da Lei de Impeachment). Porém, em meio aos nossos escombros institucionais, quem se importa com deveres de ofício, ou com a fiscalização destes? Fonte: Revista Oeste